eu sempre me envolvi com obras de arte que são quase sadomasoquistas; o processo de enfrentar dores e chagas a partir da arte sempre me movimentou e funcionou para mim como processo de enfrentamento e até mesmo de cura. enxergar a dor, o medo e o desespero pelas lentes da arte é um meio fundamental para mim de lidar com a existência.
por isso mesmo o cinema de Lars von Trier me foi extremamente formativo (mesmo que hoje em dia eu tenha muitas questões com algumas de suas obras); o universo quase niilista de Michael Haneke sempre me foi um propulsor; e quando se pensa na música, a forma de Diamanda Galás lidar com todos os nossos demônios é uma espécie de experiência de purificação. na literatura, acredito que a experiência tortuosa de ler Raduan Nassar e Hilda Hilst foram essas aventuras violentas.
mas é isso, nem tudo que vivi, vi e li me preparou para a tour de force que seria a leitura de “Uma Vida Pequena”, de Hanya Yanagihara. ao mesmo tempo celebrado e execrado, a obra de Hanya é amada por vários amigos meus e isso me impulsionou nessa leitura. suas quase 800 páginas nos levam numa espécie de saga épica pelo mundano ao acompanharmos a trajetória de quatro amigos: Jude, Willem, JB e Malcom.
a lista de avisos de gatilhos do livro é imensa e eu realmente não recomendo essa leitura para quem está enfrentando algum processo depressivo, de ansiedade ou similares. o livro mexeu com inúmeras feridas minhas e há passagens que poderiam ser gatilhos fortes para pessoas em situações mentalmente vulneráveis. a escrita de Yanagihara é extremamente forte e realista em algumas passagens. e é daí que vem as reações diversas sobre o livro: qualquer pessoa que realmente resiste as muitas páginas de “Uma Vida Pequena” acaba por ser atingido por suas palavras, para o bem ou para o mal. e nisso há os que classificam a obra apenas como um emaranhado de violências, quase um drama torture porn. de outro lado estamos nós, aqueles que amam a obra e que saem dela purificados pela via crucis experienciada.
para mim o encantamento do livro está na escrita absurdamente bela e envolvente de Hanya Yanagihara. chorei um bocado com essa leitura, mas curiosamente meu choro não vinha das dores ou sofrimentos, ele vinha dos lampejos de beleza, carinho e amor que brotavam das páginas em meio à dor. “Uma vida pequena” é um tratado sobre a incondicionalidade do amor, sobre a potência da amizade e sobre a persistência/insistência em nossos afetos. (nisso, talvez, o universo de Yanagihara me lembre o cinema de Hirokazu Koreeda, que filma as coisas mais tristes possíveis para que assim ele capture a beleza do amor e as singelezas do afeto).
meus amigos já cuidaram muitas vezes das minhas feridas - tanto físicas quanto metafóricas -, seus unguentos criaram seixos para que eu crescesse e me transformasse, por isso não me furtei em chorar muitas vezes com a beleza da escrita de Yanagihara. a forma como ela descreve a amizade, o cuidado e a insistência no amor, apesar de tudo, é absurdamente cativante. sigo aqui pensando em Jude, Willem, JB e Malcom como se eles fossem amigos de que sinto saudade. que coisa linda essa magia das palavras…
para mim é sempre claro que eu só sobrevivo e persisto diante de todo horror e toda dor desse mundo a partir da arte. a suspensão proposta pela arte é meu espaço metafísico. a arte segue me relembrando das belezas da vida e segue me mantendo curioso perante o outro.
lançamentos
Dandarona se uniu ao RKills no single “Turn Up The Bass” e o resultado é caralhação e descaralhação! música para se ouvir em volume altíssimo: dê o play.
o selo Perfecto Estado lançou a coletânea "Paraísos Invisibles" com nomes como Gabto, PR.A.DO, Breezy S, Baroque Angel e +. com direção criativa de Dimas Henkes y Leonardo Pissetti, o disco busca criar novas conexões culturais. ouça aqui.
"KALOR" é o novo disco do dj e produtor musical cearense Wavezim. o trabalho cria diálogos entre diferentes gêneros da música eletrônica, com focos em ritmos latinos, do funk ao latin core, do break beat ao tribal. vale o play.
a Nia Archives fez um remix para a cantiga do momento "Illegal", da PinkPantheress. ficou um bafo.
o homem não para de trabalhar! Zopelar anunciou a chegada de mais um disco e o primeiro single foi lançado ao lado de Ashira. "We Can Make It" é uma delicinha, clima 80s final de noite. ouça aqui. “Call It Love” será terceiro álbum de Zopelar lançado pela gravadora inglesa Apron Records. o disco contará com parcerias ao lado de Ashira, Retromigration, hernbean5150 e L'Homme Statue.
o homem não para de trabalhar 2! Zopelar também está ao lado de L'Homme Statue no novo single do projeto encabeçado por Loïc Koutana. a faixa “Je t’aime” também conta com a participação de Retromigration. ouça aqui.
a gaúcha Nina Nicolaiewsky gravou um ep ao lado da Orquestra Sucinta e o primeiro single "Tudo Bem" é de uma delicadeza e beleza ímpar. vale o play.
fervos & bafos
hoje estreia a festa Latin Arab Disco, uma festa de ritmos urbanos do sul global, com foco na América Latina e SWANA. a festa rola na Casita, na Vila Madalena, e vai das 20h às 3h - com entrada gratuita até às 21h.
em celebração aos 30 anos do MUNDO MIX, rola no dia 06/07 o primeiro VINIL BR MIX, uma feira de vinil em conjunto com a Vinil Brasil. o evento rola das 13h às 22h no Visualfarm Gymnasium, espaço novo nos Campos Elíseos. saiba mais aqui.
dia 8 de julho tem festa HOMOTEKA na Zig Studio com um line-up chiquérrimo com nomes como Bida Sarô, Sammy Dreams e +++. ingressos aqui.
reclames
está chegando na casa dos assinantes da Noize o vinil do CSS e tô feliz demais de assinar uma matéria dessa edição! CSS é uma das bandas formativas da minha vida: estar nessa edição é uma alegria lá pro Renan gayzinha de interior que levava o clipe de “Alala” pra aula de inglês na escola 🥹✨espero que gostem da minha matéria
no episódio dessa semana do podcast VFSM nós conversamos sobre o conceito de “recession pop”, escapismo e consumo cultural em tempos de crise econômica. ouça aqui.
o documentário “I’m Your Venus”, sobre Venus Xtravaganza, reforça a importância da memória de trajetórias trans. resenha completa no Screamyell. assisti o filme no Festival É Tudo Verdade deste ano e agora o longa está disponível na Netflix Brasil.
essa semana saiu meu papo com Isma & Vita sobre o disco “Gambiarra Chic Pt. 2”, das Irmãs de Pau. conversamos sobre os detalhes de cada faixa do disco no "Por Trás do Disco", do Podcast VFSM. ouça aqui. para quem é mundinho Gambiarra Chic vale revisitar o papo que batemos em 2024 sobre a primeira parte do disco, também é um luxo. ouça aqui.
até a próxima,
Renan Guerra
concordo em absolutamente tudo sobre Uma Vida Pequena, a construção dos personagens é tão bem feita que até quem detesta age como se a autora estivesse sendo cruel com pessoas de verdade
esse livro é brutal, misericórdia